quinta-feira, 13 de março de 2014

Sinopse de um Telespectador

Um copo de suco de maracujá, dois travesseiros, uma manta esverdeada, um blusa de pijama de oncinha, uma calcinha zebrada, um cigarro fazendo fumaça, o sofá, eu e o papel em branco.
São uma e pouco da madrugada. Terminei de assistir o filme baseado na obra "A menina que roubava livros".
Ainda não mexi meus lábios. Não há ninguém além de mim nessa sala, nessa casa, nesses meus pensamentos.
A história era triste. Daquelas histórias que mexem com a solidão da gente, com as lembranças da família longe, com os traumas, com a história individual e secreta de cada um.
Quem era eu?
A menina solitária que construiu um lar com estranhos, uma bagagem de histórias lidas em livros roubados, um amigo de infância daqueles que todo mundo quer ter pra sempre, um amigo de guerra, uma senhora bondosa e rica que lhe adota em meio aos escombros e dor, quando tudo parece estar perdido?
Ou... será que eu era o amigo judeu de guerra, vendedor de sonhos, ideologias, tecedor de um futuro de paz?
Posso ser a mãe amargurada pelas perdas, necessidades básicas e sacrifícios para manter o alimento dos seus a cada amanhecer duvidoso...
Também posso ser a senhora rica e bondosa, dona de uma vasta biblioteca morta, que guarda para manter a memória do filho que partiu e agora em meio a livros envelhecidos encontra na menina órfã uma razão para voltar a viver...
Não vou citar o pai, sei que não sou ele.
Ele era o melhor personagem. O mais sábio, mais amoroso, mais sonhador.
Ele fez a história triste ser poesia em notas de acordeon.

Ver um filme é isso. Terminar o vídeo ainda dentro da história. Se o filme não causa isso, melhor nem ter olhado.
É se colocar como peça viva, lá, num lugar da trama que ninguém te vê, mas que mesmo invisível você consegue sentir o fardo de cada personagem.

Leio livros, vejo filmes e escrevo por isso.
Estar em um lugar que nem eu sei qual é, mas sei que estou ali.
Por algumas horas a gente é vilão, mocinha, filha, mãe, amigo, fogo, tiro, página de livro, frio, primavera, porão, sopa, roupa limpa, guerra, paz, covardia, coragem.
Por alguns espaços de tempo não somos a gente e esquecemos quem somos. Como recém nascido que vem ao mundo sem nem ao menos saber que chegou.
São instantes sem nossas dores, nossos desamores, nossas frustrações, nossas confusões.
Durante o filme ou o livro, sou chão do palco, adorno de cenário, nuvem carregada de chuva, míssil prestes a explodir, dor de menina, saudade de mãe, abandono de guerra.
E quando volto da história que não é minha, imposta pela tela que escureceu e as letras que subiram com o nome do autor, ainda imersa no que não sou eu, não sei mais quem eu sou.
Não sei porque chorei a pouco pelo amor perdido, não sei porque não estou dormindo, não sei porque preciso escrever isso.
Quanto volto de um livro, o lugar que estou não parece mais o mesmo lugar. Eu não pareço ser quem eu era.
Todas as imagens misturadas dançam balé na minha cabeça e a fantasia de estar em um mundo novo e desconhecido chama para brincar de escritora.

A noite corre da porta pra fora e o relógio em silêncio mostra que o tempo está passando.
Quem eu sou agora?
Quem acordará em mim amanhã?

De repente viro filme, viro livro e o final do que sou eu, nenhum autor escreveu, ninguém leu.







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