segunda-feira, 3 de março de 2014

Sobre as coisas do coração

Estava ouvindo a música do Paulinho da Viola "Dança da Solidão", que já aprecio há alguns anos, desde que ouvi na linda voz da Marisa Monte, quando pausei meus pensamentos e músculos nos primeiros versos da música.

"Solidão é lava, que cobre tudo. Amargura em minha boca. Sorri seus dentes de chumbo."

Bom. Fiz a mesma pausa agora antes de voltar a escrever. Porque realmente são três frases que causam uma reflexão, que se não durar horas, durará bons minutos.

Sou uma pessoa solitária, na maioria das vezes. Isso não é uma lástima, pelo contrário. É um estilo de vida, que devido minhas características pessoais, tornou-se minha melhor opção de convívio com outros.
Descobri muito cedo, que estar acompanhada da minha solidão seria a primeira prova de fogo que teria que enfrentar para ser mais humana e amorosa com as outras pessoas. E ainda estou nessa prova de fogo após algumas tentativas de vencer ela.
Quando optei pela solidão, é claro, que não foi algo premeditado... "agora ficarei só". Nada disso. Apenas tomei a decisão de morar fora de casa em uma cidade distante e o resto fluiu como derrubar a primeira pecinha do Dominó.
Tentei morar com uma família que não fosse a minha. Aguentei dois meses. Morei em uma pensão com mais 3 mulheres dividindo um quarto. Aguentei quatro meses. Morei com a única menina da pensão que parecia que daria certo. Aguentei um ano. Morei com mais uma amiga que surgiu. Ela aguentou dois meses e sumiu. Morei com um namorado. Aguentei três meses. E por fim, morei com meu irmão. Por uma questão sanguínea, familiar e de sobrevivência. Aguentamos cinco anos.
Posso dizer então, que de todas as tentativas citadas, morei na maioria das vezes sozinha, com pequenos intervalos de tentativa de convivência dos outros comigo. Sim, dos outros, pois eu sei que a tentativa de morar comigo era deles e não vice e versa.
E por mais que doesse admitir, a cada tentativa eu conseguia vislumbrar o fim da tentativa.
Fosse um copo sujo deixado no chão embaixo da cama. Fosse uma escova de cabelo pessoal jogada na mesa da sala. Fosse o toco da barba, duro e grudado na louça da pia do banheiro. Fosse a música alta em pleno domingo de manhã. Fosse a invasão de uma visita inesperada de amigos do outro (a) enquanto eu estava de pijama vendo televisão.
Nesse ponto dos escritos, acredito que já devo ter criado no leitor uma ideia ou apenas um vago conceito do que pensar sobre minha civilidade coletiva ou em dupla.
Concordo que foi tentando conviver em dupla que percebi o quanto o coletivo seria mais complicado.
Mas nada foi tão grave ou a ponto de um exílio. Com exceção da menina que morei um ano,  todos demais tenho contato até os dias de hoje, nem que seja apenas na página do facebook.
Ainda em tempo. Volto as frases do "Paulinho".
Esses escritos não tem um objetivo de definir ou filosofar sobre a solidão. Ela apareceu naturalmente, visto que é o desenrolar do verso da música. O que eu queria mesmo era falar sobre as coisas do coração, como intitulei essa crônica. E não vou mudar só porque a solidão prevaleceu.

E solidão não é isso, uma lava que cobre tudo? Um amargo que começa na boca e cerra nossos dentes, com uma força que não conseguimos movê-los?
Estou em um momento que sou amante da minha solidão. As vezes nos amamos loucamente e dançamos como um par perfeito e outras vezes nos desprezamos e falamos uma pra outra que nunca mais vamos nos ver.
É que mesmo que acompanhados, ainda somos só, pessoas singulares, com pensamentos inatingíveis.

Sempre busquei muito por companhia sem perceber e quando encontrava companhia, dentro de mim gritava a vontade de ficar só. "Por favor meu espaço, meu canto, meu silêncio, meu vazio perfeito! Devolve, por favor!"

Não existe uma verdade absoluta e aplicada a todos sobre o que causa a solidão.
Conheço pessoas que não suportam pensar em almoçar sozinhas, seja em casa, no shopping ou qualquer situação. O silêncio de comer acompanhado unicamente de si mesmo é algo insuportável. Conheço também aqueles que jamais conseguiriam chegar em casa após um dia de trabalho ou faculdade e se ver no meio de paredes, móveis e seus próprios ruídos de pés e mãos.
Conheço aqueles que planejam o dia todo o que fazer para não ter que ficar só. E fazem isso sem querer. Então pagam bebidas e comidas para amigos, colecionam amores de cinema, shoppings e estacionamentos  e vez que outra patrocinam programas familiares. Também conheço aqueles (as) que fazem filhos e casam várias vezes, mas esses nem sei muito o que pensar. Acho que mais tem a ver com entender sua "utilidade" no mundo e o que é o "amor" do que qualquer outra coisa a ver com solidão.

Mas não é pra esses que escrevo. Escrevo para aqueles como eu. Pessoas que embora as vezes fiquem melancólicas, bucólicas e chorosas. Nos demais % dos seus dias, apreciam a paz de abrir a porta de casa e ter um silêncio deixado por você mesmo lhe esperando. Pessoas que amam seus amigos, familiares, namorados (as), filhos (as), mas que amam muito também a calma de não ter o que falar, o que fazer ou que contas precisa prestar.

Talvez eu experimente conviver diariamente com alguém, em algum tempo que ainda não chegou. Mas se tem algo que todos deveriam experimentar, antes da velhice impor ou de um casamento, é conviver com sua solidão e ficar amiga dela.
A música que citei, é poesia pura. Não mente nada da essência da solidão. Mas a gente só sente o gosto do doce se provar alguns amargos, alguns azedos, alguns ácidos. E a solidão é uma excelente degustação que a vida nos ofereceu ao nos criar seres únicos e sós por natureza.






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